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Entre o pó e o luxo na road trip (continuação)

  • Foto do escritor: Carol Ussier
    Carol Ussier
  • 15 de abr. de 2018
  • 7 min de leitura

Em janeiro de 2018 passei uma semana em Camarões, que foi dividida entre duas experiências completamente diferentes, mas igualmente incríveis: subir o Mt. Cameroon e fazer uma road trip pela região da Ring Road. Em outros artigos já contei como foi a caminhada até o pico do Mt Cameroon e também falei sobre o primeiro dia da road trip.

Eu mal tinha começado a explorar essa região de Camarões e já tinha sido recepcionada por uma das 48 mulheres de um Fon (espécie de "rei"), chorado na presença de jujus e viajado mais de 150km, por 4 vilas diferentes.

Dia 2: Mt. Oku | Foumba

O que uma pessoa como eu faz 1 dia depois de voltar do pico mais alto da África Central e Ocidental? Ao invés de descansar, decide subir o segundo pico mais alto de Camarões (3011m). Depois de Buma Peter - o guia - me perguntar umas 10 vezes se as minhas pernas aguentariam (confesso que estavam mesmo doloridas), decidi que quem está na água é para se molhar. Afinal, quando nessa vida estaria em Oku novamente?

David, dono da pousada que eu estava, e nosso motorista nos deixarem no início da trilha a 2080m de altitude por volta de 7h55. Uns 50 metros depois e aquela perunta clássica já estava na mina cabeça: "por que eu invento essas coisas?". E dessa vez eu posso responder facilmente: porque a trilha do Mt. Oku é a mais bonita que eu já fiz até agora. É aquela máxima: não há palavras para descrever. Só fazendo essa trilha para entender o que eu estou falando.

Foram 16,8 km de trilha no total, 3h de subida por uma rota e 2h30 descendo por outra. A diversidade de paisagens é grande parte da razão de eu ter achado essa trilha tão bonita. Passamos por floresta fechada, por savana, por floresta de palmeiras, por campos floridos; cruzamos com ovelhas e cabras, com pessoas que moram quase no pico e caminham pela trilha diariamente; vimos produção de mel branco e armadilhas para ratos do mato, que são comercializados e comidos. Enfim, foi uma manhã muito agradável.


Voltamos à pousada do David para pegarmos nossas coisas e logo caímos na estrada para mais um destino. Mal sabia eu o quão cansativa e cheia de poeira seria essa viagem. Muitas horas depois e muito sufoco para achar um hotel, chegamos em Foumban. Já era noite e eu estava coberta de poeira da estrada de terra. Sério, para você tentar imaginar o estado, pense que as roupas que estavam dentro da minha mochila ficaram todas laranjas da poeira. Na foto ao lado dá para ter uma ideia pela cor da minha perna. Ah, detalhe: eu estava vestindo calça comprida e não saí do carro em nenhum momento durante todo o percurso.

Achar um lugar para comer foi outro desafio e confesso que eu fiquei um pouco estressada. Mas logo passou e, apesar de contrariada, até aceitei que dali para frente não daria para ser vegetariana mais (atenção, vegetarianos e veganos, isso é um desafio viajando por Camarões).

Nesse dia não tinha água no hotel e eu dormi sem banho mais uma vez nessa viagem.

Dia 3: Foumban | Baham | Bandjoun

Era meu último dia viajando por Camarões e a boa notícia quando acordei era que tinha água corrente. Lá fui eu tomar o "banho" mais migué da semana. Pelo menos eu tirei a poeira do corpo. A situação era a seguinte: tinha água mas não tinha chuveiro. Na verdade não tinha nenhuma saída de água além da torneira da pia. A opção existente era uma banheira sem torneira e muito - MUITO - suja. Como eu precisava tirar aquela crosta laranja de mim, fiquei do lado de fora da banheira, inclinando uma parte diferente do corpo por vez para dentro dela e usando um balde para me enxaguar. Exigiu bastante malabarismo, mas deu certo.

Banho tomado, um omelete e um chá depois e 40 minutos de atraso do guia, partirmos na Fombi (nome de nosso carro) para a aventura do dia, mais uma vez sem ter a menor ideia do quanto eu ainda seria surpreendida positivamente naquele dia.

A primeira parada era em Foumban mesmo, que fica em uma região diferente de onde eu estava no dia anterior. Tínhamos saído do Noroeste de Camarões, que fica no lado anglofônico do país, e estávamos na Oeste, no lado francofônico. A mudança repentina de inglês para francês no idioma falado e nas placas e banners não me deixava esquecer.


Foumban representa justamente a união desses dois lados, pois foi lá que em 1961 foi assinado o acordo entre Camarões do Oeste e Camarões

do Leste e que a primeira constituicão do país foi criada. Antes disso, Camarões do Leste era uma recente república que tinha se tornada independente da França em 1960 e Camarões do Oeste fazia parte do território da Nigéria. Além da importância histórica, outra coisa diferente de Foumba é que a população é majoritariamente muçulmana. Por isso, apesar da programação do dia ter sido a mesma do primeiro (visitar palácios e seus museus), foram experiências completamente diferentes.

Começamos visitando o palácio do povo Bamoum, que é impressionante. Por lá o líder não é chamado de Fon, como na região anglofônica, mas sim de Sultão. O guia do palácio era muito bom e explicou em francês tudo sobre os Bamoum, que foram e ainda são muito poderosos. Durante essa visita uma questão não saía da mina cabeça, e dessa vez não era "por que eu invento essas coisas", mas sim como e por que não aprendemos nada sobre esses grandes imperios e civilizações da África. O museu - que é bem completo - estava um pouco improvisado porque eles estavam de mudança para o novo museu, ao lado.


Eu sei que eu já falei que algo era "impressionante"muitas vezes nesse relato, mas a arquitetura desse novo museu é realmente inacreditável: o

museu tem o formato do brasão do sultanato. Foi muito difícil conseguir um ângulo para a foto, mas coloquei a imagem do brasão junto com a foto, mas você tentar imaginar. Sério, fazer algo assim nessa região da África exige muito dinheiro e poder.

A visita ao palácio de Bamoum inclui, além do museu, a visita a um galpão que armazena um tambor enorme, que foi fabricado no início do século XIX para o décimo primeiro sultão da dinastia, que era gigante.

Nesse dia ainda visitamos mais dois palácios e seus museus: Baham e Bandjoun. Essas tribos também ficam na região francofônica mas não são muçulmanas. Então mais uma vez a experiência foi completamente diferente. Eu já tinha aprendido um monte sobre Fons e seus Fondoms, sobre o Sultão e seu sultanato e agora estava aprendendo sobre os Chefs e suas Chefferies. Nos dois palácios tivemos como guia uma das princesas, filha do Chef.


O governo de Camarões aprovou um projeto com o Banco Mundial alguns anos atrás para valorizar a cultura dos diferentes povos do país. Os principais frutos dessa parceria foram todos esses museus que eu visitei, que possuem um ótimo arsenal de objetos históricos e peças de arte de cada um dos fondons ou chefferies.

As visitas foram mais uma vez super detalhadas e por isso já estava ficando tarde. Como não queríamos correr o risco de mais uma vez ficarmos sem hotel, começamos o percurso para o destino final, onde iríamos apenas passar a noite. No caminho ainda visitei mais uma cachoeira muito bonita, que é considerada sagrada pelo povo local e por isso não pudemos entrar.

Chegamos na cidade final um pouco antes do sol se pôr e achar um hotel não foi um problema, mas dormir nele foi. Nosso local de pernoite não é um destino turístico, mas fica na metade do caminho entre a Ring Road e Douala, de onde sairia meu vôo no dia seguinte. Para conseguis encaixar mais coisas no meu roteiro eu acabei optando por voltar com o carro ao invés de ônibus. Acontece que justamente por estar na metade do caminho, essa cidade é o ponto de parada de todos os ônibus e caminhões que fazem esse trajeto. Por isso existem algumas hospedarias voltadas para os motoristas e não para turistas inesperados. A proprietária do local onde nos hospedamos foi bem atenciosa e me entregou um sabonete, papel higiênicom na embalagem e um lençol que nas palavras dela "c'est propre!" ("está limpo"). O que ela não me contou era que esse lençol limpo, além de rasgado era apenas o de cima. O lençol de baixo e as fronhas já estavam no quarto, ou seja...

Eu sou uma viajante muito simples e desapegada, mas até para mim aquilo foi bem acima do limite. A minha sorte era que eu tinha na minha mochila um saco de dormir e um travesseiro inflável, que foi o que eu usei para dormir. Ah, e acho que não preciso dizer que não tinha água corrente e mais uma vez fiquei sem banho, né?

Último dia


Acordamos 4 da manhã para evitar qualquer tipo de atraso. Em 3h chegamos em Douala e fomos direto tomar café da manhã em um lugar com comida de rua. Antes de ser deixada no aeroporto ainda deu tempo de me surpreender mais uma vez com Camarões. Por toda a cidade tinha centenas de pessoas correndo na rua ou fazendo aula de funcional ao ar livre. Era tanta, tanta gente que a sensação que deu era de que isso era algo obrigatório para toda a população. Sério, era muita gente! Só na avenida que leva ao aeroporto tinha mais de 30 grupos de funcional, cada um com pelo menos 10 pessoas. Fiquei muito curiosa para entender de onde vem tanta empolgação mas a resposta que recebi foi algo do tipo "ué, é domingo". Aparentemente em Camarões domingo é dia de se exercitar, assim como em Gana é o dia de ir para a Igreja.

Me despedi do Buma Peter, com o coração cheio de gratidão e muitos novos aprendizados. Viajar para Camarões definitivamente não é fácil, mas foi mais uma experiência transformadora.

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Carol Ussier
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Uma mulher itinerante, que se encontra na diversidade, no coletivo e na profundidade. Morei por quase 7 anos na África Ocidental, onde me reconectei com minha expressão no mundo: a dança. Acredito na arte como ferramenta de transformação e de ativismo, e sigo pelo mundo tentando entender a relação dos povos com os corpos e a dança. 

 

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