Mount Cameroon - Parte 1
- Carol Ussier
- 25 de mar. de 2018
- 6 min de leitura
Escalar o Mt. Cameroon foi o último item que adicionei à minha bucket list em 2017 e o primeiro que risquei em 2018. E que experiência incrível!
Talvez você não saiba, mas o pico do Mt. Cameroon é o mais alto da África Ocidental e Central, a 4.090m de altitude. Esta montanha, localmente chamada de "Fako" é na verdade um vulcão ativo que fica na região sudoeste de Camarões. A última erupção aconteceu em 2000 e criou uma cratera bem próxima ao pico, mas existem outras crateras formadas em erupções anteriores (são 14 erupções documentadas). Como já contei antes, eu descobri a existência desse vulcão quando estava visitando São Tomé em julho de 2017. Eu não conhecia ninguém que já tivesse subido essa montanha e nem se isso era possível, mas desde então Camarões passou a fazer parte da lista de países que eu queria muito visitar.
Para chegar até o pico do Mt. Cameroon existem diversas rotas, sendo as mais conhecidas a Guinness Trail e Mann's Spring. A rota mais curta é a Guinness Trail que passa pelas crateras da erupção de 2000. Já a Mann's Spring é mais longa, mas passa por outras crateras e por uma região habitada por elefantes. Minha ideia original era subir pela Guinness e descer por Mann's Spring, passando assim por várias paisagens diferentes. Para fazer essa rota são recomendados pelo menos 4 ou 5 dias e eu só tinha 3, por isso acabei subindo e descendo pela Guinness Trail.
O nome dessa rota vem de uma corrida que acontece todo ano em fevereiro que é patrocinada pela marca "Guinness". A rota da corrida é a mesma que eu fiz e os vencedores costumam levar cerca de 4 horas e meia (e alguns milhares de dólares como prêmio). E lá fui eu percorrer este mesmo caminho, mas ao invés das 4 horas e meia, foram 3 dias.
Dia 1 - Buea (1015 m) até Hut 2 (2850 m)
8:00 O pessoal da agência que eu tinha contratado me buscou no hotel em que eu tinha pernoitado em Buea e me levou para trocar dinheiro e me abastecer com barrinhas de chocolate, biscoito digestivo, maçãs e amendoim.

9:30 Depois de me abastecer com snacks, o motorista me levou até o ponto de partida da trilha, onde encontrei com as duas pessoas que me ajudariam nos próximos dias: Luis, o guia, e Joseph, o porteador e cozinheiro. Com as mochilas todas preparadas, começamos a caminhada pontualmente 9:30. Luis e Joseph dividiram entre eles os equipamentos (barraca, saco de dormir, comidas e utensílios para cozinhar) e eu carreguei uma mochila de 30 litros com meus pertences pessoais (vou falar mais sobre os detalhes em um outro artigo). O começo da trilha ainda é na cidade, perto da prefeitura, mas para dar um gostinho de como seria o resto do dia já era subida.
Caminhamos por um milharal, passamos pelo presídio de Buea (onde os detentos me desejaram boa caminhada) e entramos então na floresta, onde começa oficialmente a área do Parque Nacional do Mount Cameroon.
Foram 2 horas de subida pela floresta. Quanto mais andávamos, menos densa ela ficava e eu sempre achava que já estávamos quase chegando - e claro que não estávamos. Essa é a parte mais fácil da caminhada: tem sombra, uma trilha determinada e até bica de água potável e gelada.

11:30 Ainda na floresta, chegamos ao primeiro ponto de referência: Hut 1 a 1865 m de altitude, ou seja, já tínhamos subido mais de 800m desde o início da trilha e andado cerca de 5km. Na Guinness Trail existem 4 pontos oficiais de alojamento: Hut 1, Intermediate Hut, Hut 2 e Hut 3. Foi um ótimo ponto de parada, para recarregar minha energia e me preparar para o restante do dia, que seria muito (muito!) mais difícil. Algumas pessoas pernoitam nesse alojamento, mas eu particularmente acho que não vale a pena a não ser que você esteja realmente muito cansado. O alojamento é essa casinha de madeira na foto.
Depois do Hut 1 ainda caminhamos por uns 20 minutos pela trilha na floresta que ficou cada vez mais íngreme. Quando a vegetação ficou menos densa eu finalmente vi uma enorme montanha a minha frente. Até então não tinha enxergado nada, pois era época de Harmattan, um evento climático que acontece em toda a África Ocidental entre dezembro e fevereiro que cobre o céu com poeira do deserto do Saara. A primeira coisa que saiu da minha boca ao ver a montanha foi: "nós vamos subir tudo isso amanhã?", com cara de choque. Luis, o guia, gentilmente me respondeu: "Não.... vamos subir hoje". Foi difícil acreditar que depois de tudo o que eu já tinha andado ainda teria que encarar aquela parede à minha frente. Depois de uma pequena pausa para recuperar do choque, seguimos caminhando pela trilha que agora já não era mais na floresta, mas sim em uma savana. o que significava sol na cabeça e poeira.
12:30 Chegamos ao segundo alojamento: Intermediate Hut, também conhecido como Savana Hut. A inclinação entre o Hut 1 e esse Hut já tinha sido mais íngreme do que o trecho anterior. Dessa vez foram "apenas" 1,2 km de distância até uma altitude de 2255 m, ou seja, tínhamos elevado mais 400m. Luis me disse que muita gente desiste da caminhada nesse momento e não é difícil entender o motivo: o trecho seguinte é carinhosamente apelidado de "the wall" e o Savana Hut fica literalmente na base de um paredão. Eu já estava tão cansada nesse momento que talvez isso tenha afetado minha noção espacial, mas sem exageros eu não via nada na minha frente além de uma "parede" quase vertical. Desistir não era uma opção para mim, mas confesso que a partir desse momento tudo o que eu conseguia pensar era "por que eu invento essas coisas?". Faltava coragem.
Observação: não consegui representar a real perspectiva nas fotos, juro que a inclinação é mais assustadora ao vivo! Na foto da direita dá para ver a floresta lááá embaixo.
13:00 Respirei fundo e encarei o the wall. Se você já fez a Trilha Inca, a sensação é parecida com a do segundo dia dela, só que o paredão do Mt. Cameroon é ainda mais íngreme. Nesse trecho não existe trilha demarcada e são muitas rochas e desníveis. Meus grandes aliados nesse percurso foram o guia, Luis, que conhecia o caminho "mais fácil" entre as pedras e os dois bastões de caminhada que a agência me emprestou - que se mostraram extremamente importantes em alguns trechos que eram verdadeiras escaladas. Precisei fazer 3 longas paradas para recuperar o fôlego e da metade para cima usei meu método infálivel: anda 10 metros, para 10 segundos. Foi assim por 3 longas e cansativas horas por um cenário que recompensava cada gota de suor. Até que..
16:30 "nossa, nossa, assim você me mata", essa foi a primeira coisa que eu ouvi quando FINALMENTE cheguei. O Hut 2 - ou Fako Mountain Lodge - era onde passaríamos a primeira noite. Depois de mais 1,1 km (que mais pareceram 100) e a 2850 m de altitude fui recebida com um pôr-do-sol incrível, o abacaxi mais doce que já comi na vida e Michel Teló na rádio do alojamento. EU VENCI A THE WALL!! A emoção era tanta que eu nem me preocupei - naquele momento - com a "nova montanha" que surgia a minha frente. Seria uma the wall versão 2? Aquilo seria preocupação para o dia seguinte.
19:00 Barraca montada e"banho" de lenços umedecidos tomado, tinha chegado a hora de jantar e recuperar todas as calorias perdidas durante o dia. Joseph, que era o cozinheiro oficial, provou seu valor logo no primeiro dia. Comemos macarronada com molho de tomate, legumes e óleo de amendoim. Jantamos (eu, Luis e Joseph) ao redor de uma fogueira, com uma noite super mega estrelada, muitas risadas e aquela sensação de orgulho quando a poeira no céu - que agora estava "abaixo" de nós - se moveu um pouco e eu vi a cidade de Buea iluminada láááa embaixo. Eu estava literalmente acima das nuvens. Ou seria da poeira?
O primeiro dia de caminhada tinha terminado. No total foram 7,3 km, 1835 m de desnível e uma diferença de 20 graus (a menos) entre a base e o Hut 2. Apesar de 7,3 km ser uma distância bem tolerável e até mesmo curta comparada a outros trekkings, o desafio do Mt Cameroon não é a distância, mas sim a inclinação. Ao contrário de muitas outras trilhas por aí, na Guinness Trail não existe partes planas e nem aquele famoso "sobe e desce". Do início da trilha até o pico é subida o tempo inteiro. Segue um resumo:
Mesmo com um colchonete, um saco de dormir embaixo de mim, um saco de dormir me cobrindo, além da blusa, cachecol, gorro e segunda pele, confesso que já tive noites melhores em acampamentos. Não sei o que era pior: o frio, a dor na coluna e no quadril ou os pesadelos que eu tive. Aquele pensamento da trilha permanecia: "por que eu invento essas coisas?". Agora não tinha volta, o jeito era me preparar física e psicologicamente para o dia 2 (continue aqui).
Commentaires