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Você sabia que existem mais de 90 reis em Gana?

  • Foto do escritor: Carol Ussier
    Carol Ussier
  • 26 de mar. de 2017
  • 4 min de leitura

Para quem não sabe, Gana é uma república presidencialista. Em março de 1957 o país proclamou independência da Inglaterra e em julho de 1960 se tornou uma república. Gana passou por alguns períodos de ditadura e em 1992 estabaleceu um sistema de governo presidencialista com mandato de 4 anos e parlamento unicameral. Mas se é uma república presidencialista como é que existem reis? Pois é, eu prometo que não fiquei maluca. Eles não só existem como você pode conhecê-los durante sua viagem para Gana.

Apesar de em inglês eles serem chamados de “king” (rei) ou de “chief" (chefe), nenhuma destas palavras em português expressa de forma exata o papel dessas pessoas. Por isso ao longo do texto vou chamá-los de “chiefs”, ok? Antes de explicar quem são e qual é a função deles você precisa saber que Gana é um país que manteve muito viva a sua cultura tradicional. O que isso quer dizer? Bom, de maneira simples, isso significa que até hoje ainda existem diferentes grupos“aldeias” – que também podem ser chamadas de “comunidades locais” ou “povoados” (em inglês o termo correto é “village”). Ao contrário do Brasil, onde os povos nativos indígenas representam menos de 1% da população, em Gana eu diria que pelo menos 85% da população é realmente daqui e ainda mantem suas tradições.


Cada um desses povoados pertence a um grupo étnico e possui um líder local vitalício, que de maneira geral é responsável por todos os assuntos de sua comunidade. Esse líder é o “chief”. Fazendo um comparativo bem simplista (só para facilitar o entendimento), é como se o “chief” fosse o que conhecemos no Brasil como cacique das tribos indígenas. A diferença é que em Gana as aldeias estão espalhadas por todo o território e fazem parte do dia-a-dia do país. ​

Como as tradições sobreviveram ao período colonial?

Na África a maioria das colônias britânicas tiveram um sistema diferente daquelas de Portugal e França, conhecida como administração indireta. Nesse sistema os chefes tradicionais locais continuaram a governar e liderar seus territórios como faziam antes. O poder da Inglaterra era garantido através da supervisão desses líderes (chiefs) que já existiam e dessa forma se tornava mais rápido e barato liderar o comércio na região. Para garantir o controle, porém, a forma como os chiefs eram escolhidos foi alterada. Antes de ser uma colônia os chefes eram escolhidos pelo conselho dos anciões (“council of elders”). Com a introdução da administração indireta, eles passaram a ser indicados e validados pela administração britânica. De qualquer maneira foi por causa da forma como a colonização aconteceu na região que as relações tradicionais se mantiveram. ​

Quem são os chiefs hoje em dia?

Após a independência as vilas retomaram suas tradições e os chiefs voltaram a ser indicados pelos conselhos de anciões. A função de chief é vitalícia e por isso se equipara à de um rei. Além disso, de maneira geral também existe uma relação familiar. Ou seja, quando um chefe morre, o próximo chefe eleito pertencerá à mesma família (similar ao conceito de família real).


Os chiefs devem representar e mediar os interesses de sua comunidade. Algumas de suas responsabilidades são manter a paz entre as pessoas, resolver eventuais conflitos e manter e incentivar os rituais tradicionais de sua aldeia. Apesar de não serem figuras políticas, eles possuem um papel fundamental no desenvolvimento local e uma prática comum é políticos (como prefeitos, por exemplo) buscarem a opinião dos chiefs. Uma outra coisa interessante é que as terras pertencem aos chiefs. Ou seja, qualquer pessoa ou empresa que queira adquirir uma terra em determinada região deverá efetuar a negociação com o chief e não com o município.

Parece meio confuso, né? Principalmete pelo presidencialismo co-existir com essa outra forma de governança (chamada “chieftaincy”).

O mais legal é que essa maneira tradicional de liderança (chieftaincy) não só é estabelecida pela constituição (artigo 277, para quem quiser conferir) como existe um Ministério da Liderança Tradional (“Ministry of Chieftaincy”). ​

Os chiefs também possuem a sua própria governança e estrutura hierárquica. Cada comunidade tem o seu próprio chief, chamados de odekro (village chief). São milhares de chiefs locais espalhados pelo país de diversos grupos étnicos diferentes. Acima deles estão os chiefs distritais, que integram mais de uma comunidade. E por fim existem os chamados “Paramount Chiefs” – que representam cada uma das macro regiões do país. Existem 95 paramount chiefs em todo o país e estes sim são verdadeiros reis. Eu perguntei para algumas pessoas em Gana o que acontecia quando um político não concordava com um chief. A resposta deles foi: “isso não acontece – o que o chief diz é respeitado”.

Village Tour: você também pode conhecer alguns desses reis

​Uma das experiências que estrangeiros normalmente buscam em Gana é visitar as comunidades locais. Essa é realmente uma ótima forma de conhecer o país e ir além do turismo “clássico”. Você pode conhecê-las sozinho ou combinar a visita com alguma agência especializada. Algumas delas são:

De qualquer maneira, independentemente da forma como optar conhecer as comunidades, é importante saber que visitar o chief em seu palácio é considerado um ato de respeito e em algumas dessas comunidades é inclusive necessário pedir permissão. Eu comecei o texto dizendo que o país mantem muito fortes suas tradições e uma delas é presentear o chief com uma garrafa de Schnapps – uma bebida alcoólica que você acha em qualquer loja de bebidas. Ou seja, se você pretende incluir em seu roteiro uma visita a algum “rei” de Gana não se esqueça de incluir no orçamento esse pequeno “agrado”.

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Carol Ussier
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Uma mulher itinerante, que se encontra na diversidade, no coletivo e na profundidade. Morei por quase 7 anos na África Ocidental, onde me reconectei com minha expressão no mundo: a dança. Acredito na arte como ferramenta de transformação e de ativismo, e sigo pelo mundo tentando entender a relação dos povos com os corpos e a dança. 

 

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