Camarões: você sabe localizar esse país no mapa?
- Carol Ussier
- 11 de fev. de 2018
- 6 min de leitura
A primeira vez que eu coloquei Camarões no mapa foi quando eu estava em São Tomé e Príncipe com meu irmão (por sinal, outro país que eu não sabia colocar no mapa). Antes disso eu só sabia que era um país que tinha um time forte de futebol, afinal Copa do Mundo também pode ser cultura.

São Tomé é uma ilha com paisagens lindas, mas uma das coisas que mais nos impressionou quando estávamos lá foi o contraste do azul/verde do mar com as rochas que são completamente pretas. Perguntando para nossos guias descobrimos que essas rochas eram basalto magmático, formado por lava vulcânica. Nos explicaram que as duas ilhas do país (ilha São Tomé e ilha Príncipe) se formaram milhões de anos atrás por causa de uma falha geológica que formou uma fileira de vulcões chamada "Linha Vulcânica de Camarões".
Olhando para trás agora, vejo que na verdade eu não coloquei Camarões no mapa, coloquei o Mount Cameroon, que faz parte dessa linha vulcânica. Eu sou doida por trilhas, ainda mais quando envolve algum desafio, e desde que estive em São Tomé e descobri que o pico do vulcão Cameroon era o mais alto da África Central e Ocidental, decidi que eu precisava conhecê-lo.
E foi assim que eu fui parar em meu quinto país da África: com um sonho, meu saco de dormir e a esperança de que me dariam o visto (obrigatório para brasileirxs!). Eu tinha me preparado tão bem para a viagem, que quando o avião pousou em Lomé (capital do Togo) eu fiquei em choque sem saber o que fazer até o comissário me confirmar que todos precisavam desembarcar ali e seguir para suas conexões.
Conexão devidamente feita no aeroporto de Lomé, minha próxima surpresa seria na imigração em Camarões. Ao desembarcar no aeroporto de Douala (maior cidade de Camarões) achei uma salinha com uma placa indicando "Bureau Officiel". Paguei USD100, recebi um carimbo no passaporte e segui para a cabine de imigração. "Cadê o seu visto?", foi a reação da mulher. Congelei por uma fração de segundo até ouvir ela falar um "Ahhhh" com um tom tranquilo na voz. A surpresa mesmo veio na próxima instrução que eu recebi: a moça reteve o meu passaporte e me falou que era para eu continuar até as esteiras, pegar a minha bagagem e sair para o saguão principal do aeroporto, onde eu deveria procurar pelo "Visa Office". Basicamente o que isso quer dizer é que eu estaria oficialmente dentro do país, mas sem ter meu passaporte em mãos.
Eu amo a África e me esforço todos os dias para quebrar paradigmas sobre este continente, dos outros e meus próprios. Mas infelizmente agora que já estou a certo tempo por aqui reconheço que o sistema de propinas é quase um estilo de vida, pelos menos nos países que já conheci. Nesse contexto, passar pela imigração e desembarcar sem ter o meu passaporte comigo não parecia uma situação muito favorável. E qual alternativa eu tinha? Nenhuma. Segui em frente.
Já com minha mochila nas costas e rasgando o meu francês enferrujado achei a tal sala de visto e aliviada recebi o meu passaporte com mais alguns carimbos e assinaturas. E se você estiver se perguntando, não paguei nada além dos 100 dólares que eu já tinha dado antes. E assim começava a minha aventura de 7 dias por um país do qual eu não sabia praticamente nada, mas já tinha localizado no mapa.
E o que eu aprendi nessa semana em Camarões?
1) Camarões, em português é o nome original do pais: os primeiros europeus a explorarem parte do que hoje é o país de Camarões foram os portugueses, que se referiam ao local como "Rio dos camarões", acho que dá para imaginar por que né? Então apesar de ser chamado de Cameroon/Cameroun nos idiomas oficias do país, o nome de "Camarões" não é uma tradução, mas sim o nome original (em inglês poderia ter ficado "Shrimp", rs).
2) A visão eurocêntrica está muito enraizada em nossa cultura: Camarões tem dois idiomas oficias - francês e inglês - o que de cara me levou a pensar que o país teria sido colônia francesa e inglesa. Essa informação não estava errada. Entre 1918 e 1960, ano da independência, parte do atual território de Camarões era colônia francesa e parte inglesa. Mas antes disso o território foi colônia da Alemanha, que após o fim da Primeira Guerra Mundial se viu forçada a entregar suas colônias para a França e a Inglaterra (o mesmo aconteceu com o Togo, por exemplo). E o que isso tem a ver com visão eurocêntrica? Enquanto eu estava em Camarões eu ouvi que a colônia alemã tinha se formado apenas em 1884 e automaticamente pensei "nossa, mas como o país é recente!" (nessa época o Brasil já era quase república). Ou seja, eu simplesmente ignorei toda a história daquele local antes de ser um colônia europeia. Eu estava em um país africano, mas colocando a europa como protagonista da história. E infelizmente é assim que fomos ensinados. Desde crianças quandos ouvimos falar algo sobre países como Camarões normalmente tem alguma relação com a Europa (incluindo o próprio Brasil, afinal, o que sabemos sobre o nosso país antes de 1500?). O que me leva ao próximo ponto..

3) Camarões tem uma cultura muito rica: eu me surpreendi muito com a importância e o poder dos reinos e impérios que já existiam em Camarões muito antes da palavra "colônia"existir e que até hoje continuam escrevendo suas próprias histórias. Em outros países da África Ocidental que eu já conheço (Gana e Togo) também existem muitos reinos, mas eu ainda não tinha visto nada como os palácios de Camarões, que deixam qualquer um de boca aberta. Além de terem sido grandes impérios o que também impressiona é como a cultura foi bem preservada.
4) Conhecido como "África em miniatura": os camaroneses se orgulham em repetir isso, mas tem uma razão - existem muitos ecossistemas diferentes em Camarões. Além de savanas e safaris (talvez a atividade mais procurada por turistas na África), o país também tem praias com areia branquinha, floresta, montanhas e até deserto. Eu realmente vi paisagens incríveis e fiz a trilha mais bonita da minha vida.
5) Viajar em Camarões exige flexibilidade: a média de turistas em todos os lugares que visitei (com exceção do Mt Cameroon) é de 4 turistas por mês. Sim, por mês. E a consequência disso é uma estrutura hoteleira bem precária. Quem me conhece e já viajou comigo sabe que eu não tenho frescuras para me hospedar. Muito pelo contrário, sempre escolho a economia ao invés do conforto. Mas até para os meus padrões a hospedagem de Camarões foi meio tensa. Ou seja, se quiser conhecer o país esteja preparada/o.
Acho que Camarões foi o primeiro país realmente off the beaten path que eu visitei. Até agora eu tinha conhecido 4 países na África: Marrocos, Gana, Togo e São Tomé e Príncipe. Com exceção do Marrocos, os outros países são "exóticos" para nós, brasileiros. Mas a realidade é que eles são bem visitados por europeus. E o que eu achei de lá? Eu simplesmente amei.
Depois que voltei da viagem vi Camarões em vários índices do estilo "20 países mais perigosos para viajar". São duas as principais razões para isso: a presença do Boko Haram (um grupo terrorista) e conflitos entre grupos separatistas e o governo. No primeiro caso, é claro que o perigo é iminente, mas ele também é regional. O Boko Haram está apenas na região norte de Camarões e por isso eu passei longe de lá. No caso do movimento separatista, eu viajei justamente pela região onde eles estariam acontecendo. Mas a verdade é que eu não vi absolutamente nenhum conflito e pelo o que eu conversei com o pessoal de lá a mídia estava fazendo muito mais barulho do que o que realmente estava acontecendo. Seria como se na época das manifestações a favor/contra impeachment da Dilma nós falássemos que não era seguro viajar para o Brasil (o que realmente aconteceu, afinal era ano de Jogos Olímpicos).
Não me leve a mal e também não coloque a sua vida em risco. Essas informações são de janeiro de 2018 e pode ser que a situação esteja mais perigosa ou mais segura quando você estiver lendo. O que eu queria dizer é que apesar de Camarões ser noticiado como um dos países mais perigosos para se viajar do mundo, eu não apenas me senti super segura o tempo inteiro, como gostei muito de ter viajado por lá. Entre escalar o Mt Cameroon e fazer uma road trip pela Ring Road, foram 7 dias intensos, cansativos (mas cheios de recompensas), com muitas reflexões e aventuras e mais uma vez a certeza de que eu ainda tenho muito o que viver e aprender na África.
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