Os bloqueios de estradas na Bolívia e como eles impactam sua viagem
- Carol Ussier
- 2 de ago. de 2016
- 7 min de leitura
Evo Morales é o atual presidente da Bolívia e, para quem não sabe, termina o seu terceiro mandato em 2020. Outra coisa que para muita gente pode ser uma novidade: a Bolívia não é uma república. Oi?! É isso mesmo, desde a nova constituição, de 2009, o país é um Estado Plurinacional o que na prática significa que os costumes e as "regras" dos povos tradicionais (como os indígenas e no caso da Bolívia os Quechuas e os Aymaras) são tão importantes quanto as leis nacionais. Bom, voltando para o Evo Morales, você pode estar se perguntando porque estou falando sobre política em um blog sobre viagem. Bom... a não ser que você viva em uma bolha, em algum momento de sua estadia na Bolívia você será afetado por alguma manifestação política (e, convenhamos, é muito mais legal viajar conhecendo a história do país).
Então, como eu dizia, o atual presidente está no poder desde 2006. Ou seja, já são 10 anos + 5 anos que ainda estão por vir. Não contente com isso, no início do ano (2016) ele fez um referendo para aprovar a possibilidade de uma 4ª candidatura (e perdeu). Não é a minha intenção discutir por aqui se isso é uma ditadura disfarçada de democracia ou não e muito menos se Evo é um bom presidente (apesar de eu ter ouvido super bem dele por lá). Fato é que sendo uma democracia existe oposição ao governo e esta oposição não está nem um pouco feliz. E quando a oposição não está feliz o que costuma acontecer? Manifestações!
Em todas as cidades, principalmente em regiões mais rurais e periféricas, os bolivianos pintaram "si evo" ou "no evo" no muro das suas casas
Não sei como estará a estabilidade política na Bolívia daqui 1, 3, 5 ou 10 anos. Mas se o país estiver como eu o conheci, se prepare para encontrar pelo caminho muitas manifestações (muitas!). E adivinha qual é uma das maneiras prediletas de manifestação? BLOQUEIO DAS ESTRADAS! E é claro que tive "a sorte" grande de cruzar com uma no último dia do tour do Salar, que também era o dia em que eu iria para La Paz. O terceiro dia do tour é praticamente todo dedicado ao retorno para Uyuni (para quem opta pelo circuito com início e fim por lá). Quando estávamos próximos à cidade nosso guia nos informou que uma manifestação havia iniciado e que todas as estradas para entrar e sair de lá estavam bloqueadas por caminhões e carros. Nós ficamos 2 horas parados em uma cidade vizinha, enquanto o guia pensava em como chegaríamos a Uyuni e, mais importante, tentava achar combustível para abastecer o carro. Depois de muita espera e pouca explicação, o guia finalmente voltou e disse que a única forma seria tentarmos caminhos "off road" e como todo mundo que estava no carro era super tranquilo e aventureiro, topamos na hora. O caminho foi realmente off road: andamos lado a lado com trilhos de trem, passamos por brejos e até mesmo tivemos a enorme oportunidade de entrar no salar novamente e ver mais um pôr-do-sol por ali.
Voltando para Uyuni off-road (a cidade é a linha branca logo abaixo das montanhas)
O perrengue começou mesmo quando nós chegamos em Uyuni. Como faríamos para seguir viagem para La Paz? A Fla e o Lucas (que eu conheci durante o tour do salar) tinham comprado passagem para o mesmo horário que eu naquela noite e decidimos ir direto à agência, pois os boatos eram de que todos os ônibus tinham sido cancelados (e o nosso já estava pago). A moça da agência nos tranquilizou e disse que se fosse necessário eles iriam contratar uma baloneta (que seria tipo uma van) para nos levar até Colchani, onde supostamente não havia mais bloqueio e o ônibus conseguiria chegar. Eram 7h da noite e a tal da baloneta só sairia 8h. Com a cabeça mais tranquila e mortos de fome após a ventura off-road do final do tour, decidimos ir comer algo por perto. Quase devoramos a comida e chegamos 8h em ponto na agência. Pronto, tudo certo, La Paz que nos aguarde, certo?! Não. A mesma mulher que tinha nos tranquilizado avisou que não teria nem ônibus e nem baloneta e que já estavam cancelando todos os ônibus do dia seguinte também. É claro que a gente tinha a opção de ficar uma noite extra em Uyuni. Mas com esse prognóstico de não haver previsão para o final da greve a última coisa que queríamos era ficarmos presos em uma cidade. Enquanto eu e a Fla, ainda meio sem reação, olhávamos uma para a cara da outra, o Lucas saiu correndo para agência do lado, que estava com um ônibus parado na frente. E aí uma notícia boa veio: o ônibus ia pra La Paz. Em meio a gritos na rua, tropeços na calçada e muita correria, pegamos o dinheiro de volta na agência Imantani e compramos os 3 últimos bilhetes da Trans Omar. Para dar um toque ainda maior de adrenalina, o ônibus fechou a porta e começou a sair enquanto comprávamos a passagem, mas conseguimos. Nós entramos. Ufa! Em 5 minutos tínhamos descoberto que nosso ônibus não sairia mais, decidimos ir com outra agência, pegamos nosso dinheiro de volta, quase perdemos o outro ônibus mas sentar naquela poltrona depois de tudo foi simplesmente incrível (e como era confortável!). Até então eu simplesmente não tinha parado para pensar como é que a Trans Omar teria permissão para passar pelos bloqueios, só estava feliz por conseguir um ônibus. E o fato é que ela não tinha permissão, claro! Não existe como passar pelo meio de um bloqueio.. os caminhões não abririam passagem para nós (dahn!). E eu me dei conta disso da melhor maneira possível: lembra aquele off-road super legal que fizemos na volta do salar? Então, o ônibus também foi off-road só que com duas grandes diferenças: ele não era um Toyota 4x4 e já tinha anoitecido, sendo que no meio do deserto não existe nenhuma iluminação. Eu não tenho ideia por onde andamos, só sei que balançava bastante e que quando eu achei que estávamos chegando a algum lugar (pois havia luz!), nós entramos em um lugar BEM bizarro, cheio de bombonas azuis empilhadas e placas de perigo. Por sorte vi que o motorista estava apenas pedindo informações para o segurança e que logo fizemos o retorno para o meio do deserto (juro que parecia cenário de filme de terror). Por longas 2 horas andamos pelo meio do nada e como tudo tem o seu ponto positivo o céu estava maravilhoso e eu me distrai tentando achar uma estrela cadente, até o momento em que as estrelas foram ficando mais fracas e nós chegamos na estrada (asfaltada!). Pronto, o motorista pediu para todo mundo descer do ônibus e trocamos para um ônibus que estava nos esperando, que por sinal era bem maior e ainda mais confortável. Me ajeitei no banco, procurei uma posição confortável, me cobri com o cobertor que eles entregaram e me preparei para dormir enquanto o ônibus ia em direção a La Paz. Era por volta de meia-noite. O ônibus não deu partida nos próximos 10 minutos. Nem nos próximos 60 minutos. E ali mesmo ficamos parados até 4h30 da manhã. Como eu já estava acostumada a não ser informada de nada e pelo menos ali me sentia confortável e segura, confesso que dormi durante quase todo o tempo. De vez em quando eu acordava congelando e colocava alguma peça a mais de roupa (no fim eu estava com 2 calças, 1 blusa térmica, 2 blusas de lã, 1 anorak, 1 cachecol e 2 cobertores). Bom, 4h30 da manhã acordaram novamente todo mundo no ônibus e nos mandaram descer para a estrada. Na verdade dessa vez eles explicaram tudo: nós ainda estávamos ANTES do bloqueio e tivemos que aguardar o ônibus que estava fazendo o trajeto inverso (La Paz - Uyuni) chegar do outro lado dele. Nas duas direções os ônibus saem por volta do mesmo horário e chegam por volta de 5h/5h30 tanto em La Paz quanto em Uyuni. No nosso caso já deveríamos estar chegando em La Paz, mas não tínhamos saído do lugar. Descemos do ônibus, morrendo de frio e com tudo escuro ainda. Pegamos nossas malas no ônibus e começamos a andar na direção que nos apontaram. Foi uma caminhada rápida, acho que em 10 ou 15 minutos tínhamos cruzado o bloqueio e chegamos ao outro lado, onde vimos mais 3 ônibus parados. Com um pouco de dificuldade achamos o nosso ônibus, entregamos as malas, sentamos nas mesmas poltronas que estávamos no outro e dessa vez demoramos um pouco mais para nos ajeitarmos no banco, afinal ainda podia haver alguma surpresa. O ônibus era, finalmente, o ônibus final. Depois de trocar 2 vezes de ônibus, quase 9h rodando ou sem sair do lugar e muuuuito frio nós estávamos indo a La Paz. O caminho é longo e chegamos por lá já eram mais de 3 horas da tarde.
Por sorte eu só cruzei com um bloqueio que acabou se tornando uma bela aventura e uma ótima história para contar. Perdi praticamente um dia inteiro que eu teria em La Paz, mas eu não ligo muito pra esse tipo de perrengue e pra ser sincera adoro uma história "diferente". Mas esse tipo de manifestação é bem mais comum por lá do que sabemos e eles podem acabar com toda a sua viagem. Depois eu fiquei sabendo que o bloqueio de Uyuni durou mais 5 dias. Ou seja, se não tivéssemos conseguido entrar nesse ônibus eu teria ficado presa 1/4 da minha viagem em uma cidade. Bom, a dica que eu já dei antes e que reforço por aqui é: deixar brechas no roteiro para imprevistos é essencial . Manifestações acontecerem ou não está 100% fora do nosso controle. Pode ser que você não veja nenhuma ou pode ser que em todas as cidades que você passe aconteçam bloqueios. O importante é saber se adaptar a imprevistos, garantir uma folga na sua programação e aproveitar a viagem de qualquer forma =) ps: apesar de tudo eu super recomendo fazer o trajeto Uyuni-La Paz com a empresa Trans Omar, todos os ônibus em que entramos eram bem confortáveis, incluindo cobertores (e, se você der sorte, só precisará de 1 ônibus, rs..).
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