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Sobre viajar na África

  • Foto do escritor: Carol Ussier
    Carol Ussier
  • 7 de jul. de 2017
  • 5 min de leitura

Já tem algum tempo que eu participo de grupos sobre viagens em redes sociais e que acompanho outros viajantes seja por blogs ou pelo Instagram. Eu sempre fui do tipo aventureira, aquela pessoa que gosta de descobrir países e lugares pouco visitados. Acho que foi um pouco por isso que decidi morar nas Filipinas quando no Brasil ninguém falava sobre o país ainda ou que no início de 2017 me mudei para Gana. Por ter este perfil, eu acabava acompanhando pessoas que também tinham um perfil semelhante como o Guilherme do blog Saí por aí que dentre outras coisas que me inspiraram escreveu um livro sobre países que não existem.


Águas cristalinas nas Filipinas em 2012

Até alguns meses atrás o que mais me incomadava quando eu pensava em "África" era justamente o fato de eu chamar a África de "África". Quando falamos sobre o continente europeu, por exemplo, sempre incluímos alguma informação sobre países específicos. "Em julho vou para a Europa" é uma frase que normalmente vem acompanhada de algo como "alguma dica sobre Paris e Barcelona?". Imaginar as diferenças entre a Inglaterra, a Alemanha e a Itália é algo simples até para quem nunca saiu do Brasil (quem nunca associou pizza à Itália ou os guardas nacionais à Inglaterra?).

E o que eu sabia sobre a África? Bom, até o final de 2016 eu sabia falar sobre o Marrocos (porque já estive lá) e talvez conseguiria nomear mais uns 10 países. São 54 países.

Gostar do desconhecido e ao mesmo tempo me incomodar justamente por não conhecer foi o que me trouxe para o continente africano no início de 2017 e desde então tenho cada vez mais vontade de motivar os brasileiros a virem para cá. ​


Marrocos em 2011

Quantos dos 54 países do continente africano você consegue nomear?

Apesar de ouvir muita gente me dizendo "eu queria muito, mas..." (complete a frase com qualquer coisa do tipo "dessa vez prefiro conhecer o Sudeste Asiático") isso nunca me incomodou, afinal cada pessoa tem um estilo diferente de viagem. Mas esse sentimento mudou quando eu me tornei mais presente nos fóruns sobre viagens que comentei no início deste artigo. Existe um padrão em todos esses grupos: centenas de brasileiros compartilham diariamente suas viagens e planos de viagens (o que eu acho o máximo) e 90% dos comentários são sobre a Europa, a Tailândia ou o combo Peru/Bolívia/Chile. ​ Até aí, nenhuma novidade. Eu já sabia que infelizmente os países africanos ainda são pouco explorados pelos brasileiros. Há exceções, claro, como a África do Sul, Marrocos ou o Egito. O que realmente passou a me incomodar muito foi quando eu comecei a ver pessoas que nunca estiverem na África desmotivando as poucas pessoas com interesse de vir. ​


As pessoas que falaram para a jovem que estava indo ao Marrocos que lá seria muito perigoso para mulher viajando sozinha (isto é tema para outro artigo); ou as pessoas que fizeram piadas quando uma mulher pediu informações em um dos grupos sobre a Etiópia ("lá só tem obra social para fazer, talvez os adventitas também tenham interesse"); ou então o rapaz que quando eu perguntei se mais alguém estava pela África Ocidental respondeu "perigo doenças e guerra". Detalhe importante: nenhuma das pessoas que deram estas respostas já esteve na África antes.

Bom, depois de 6 meses morando em Gana o que eu posso compartilhar é que:

  1. Eu me sinto muito mais segura aqui do que em muitas cidades do Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro não preciso nem falar, né?);

  2. Eu estou plenamente saudável e estive durante todo esse período (e confesso que faz 2 meses que nem repelente eu uso mais);

  3. Sobre "guerras", se tem um lugar que tem guerras mascaradas de "policial bonzinho defendendo o cidadão do bem" esse lugar é o Brasil. Gana é um país pacífico e estável por pelo menos 20 anos e apenas como exemplo eu nunca vi uma convivência tão boa entre cristãos e muçulmanos como aqui.

Se o que impede as pessoas de viajarem para a África fosse o risco de algo acontecer, por que milhares de brasileiros continuam indo para os Estados Unidos mesmo com tantos tiroteios (em 5 dias a cada 6 dias acontece um tiroteio)? Por que nós não deixamos de viajar para a Europa mesmo depois de todos os ataques que foram classificados como "terrorismo" nos últimos anos? Quantas notícias sobre guerra na África você lembra de ter visto no último mês? Se você não lembra de nenhuma, talvez aí esteja o problema. Sabe por que o brasileiro não viaja para a África? Porque nós não sabemos nada sobre a África. Eu gostaria que você parasse alguns segundos e refletisse seriamente sobre algumas questões. O que você sabe sobre o turismo na África além de fazer safari, andar de camelo e visitar o Egito? (se você acompanha meu blog deve saber um pouco de Gana pelo menos). Quantos países você consegue nomear? E quais capitais? Quantas coisas da África estavam listadas na última lista do estilo "100 lugares para conhecer antes de morrer" que você viu? Infelizmente é verdade que no geral os países africanos estão ainda muitos anos atrás com relação ao desenvolvimento socioeconômico. Dos 20 países com os menores índices de PIB per capita segundo o Banco Mundial, 19 estão no continente africano. Mas se você acha que por causa disso o continente não é bom para turismo, você está enganado. A verdade é que nós não sabemos nada sobre a África e apenas repetimos o que nos é falado desde sempre: "perigo, doenças e guerra". Mas por causa disso você pode estar deixando de conhecer algumas das pessoas mais amigáveis e receptivas do planeta. Você pode estar abrindo mão de se emocionar ao descobrir as raízes de boa parte da cultura brasileira. Você pode estar perdendo belezas naturais, vivências culturais incríveis, praias paradisíacas e paisagens de tirar o fôlego.


Eu ainda não posso falar sobre muitos países, mas depois de 6 meses morando em Gana eu posso afirmar, por exemplo, que os ganeses são as pessoas mais alegres e empáticas que eu já conheci. Eu sinto uma emoção inexplicável a cada vez que descubro uma nova ligação entre a história do Brasil e a história de Gana. Eu me sinto em casa a cada vez que eu como acarajé, farofa ou baião de dois (que em Gana chamam akara, gari e waakie). Eu sinto que apesar de não ser tão fácil me locover entre as cidades por aqui, eu nunca tive tanta ajuda de pessoas desconhecidas como tenho em Gana. Seja pelo povo animado, pelas músicas que sempre me fazem querer dançar, pelo colorido das roupas ou pela alegria de cada pessoa ao me receber, o que eu sinto - e sei - é que eu ainda quero explorar muito este continente.

E eu desejo que a cada dia que passe, eu possa encontrar mais brasileiros por estas terras. Que da próxima vez que eu visitar um médico no Brasil ele não me fale "ihh, melhor evitar essa região, é muito perigosa e só tem doenças" sem realmente conhecer sobre o que está falando (era sobre Gana, no caso). Eu espero que as crianças e os jovens aprendam mais sobre a África na escola. Que no currículo escolar tenha outros temas africanos, além de civilizações antigas, deserto do Saara e Apartheid. Eu desejo que assim como a gente sabe reconhecer a importância da influência europeia em nossa cultura (a arte barroca, a arquitetura colonial e as religiões cristãs são alguns exemplos), nós também passemos a dar a devida importância à influência africana. Eu sonho com o dia em que as pessoas deixarão de usar "África" como sinônimo de "África do Sul". E acima de tudo eu espero que eu, você e todos nós brasileiros deixemos de generalizar e de repetir "perigo, doenças e guerra" por aí quando a realidade é que não sabemos nada sobre o maior e mais diverso continente desse planeta. Isso é preconceito. E você sabe.

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Carol Ussier
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Uma mulher itinerante, que se encontra na diversidade, no coletivo e na profundidade. Morei por quase 7 anos na África Ocidental, onde me reconectei com minha expressão no mundo: a dança. Acredito na arte como ferramenta de transformação e de ativismo, e sigo pelo mundo tentando entender a relação dos povos com os corpos e a dança. 

 

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